Antes de modelar minha primeira peça grande, já tinha feito mais de 200 pequenas. Xícaras, pratinhos, enfeites, peças feitas com calma, uma a uma, aprendendo. Guardo todas com carinho, porque são parte do meu começo. Mas ainda era um começo tímido, delicado, de experimentação.
Foi no ateliê da minha professora, Magali Ercolin, que algo mudou. Um dia, ela me mostrou um livro. Estava ali, entre os materiais, como quem espera ser encontrado. E foi.
O livro se chama:
「手びねりでつくる食の器」
(Utensílios de mesa feitos com modelagem manual)
Escrito por Kazuhiko Sato (佐藤和彦), um ceramista japonês que usa a técnica manual com uma sensibilidade impressionante.
O ponto de virada: o livro e a técnica
Mais do que ensinar formas, o livro mostrava uma maneira de se relacionar com o barro, um fazer com presença, com intenção.
Foi logo depois de ver esse livro que aprendi, ali mesmo no ateliê, a técnica do acordelado, aquele método de construir formas com rolinhos, como se fosse um macarrão de barro, enrolando e subindo camada por camada. É um processo simples à primeira vista, mas cheio de possibilidades.
Foi nesse momento que tudo virou.
Passei a entender o barro como linguagem. E comecei a entrar em um outro estágio, mais profundo, mais meu. Um caminho que não tem fim.
A primeira peça depois disso, Entrelaces
Minha primeira peça após esse encontro foi o vaso que deu origem à coleção
Entrelaces.
Foi ali que percebi que cada curva, cada junção, carregava história. Foi ali que comecei a pensar o gesto com mais consciência.
Quem é Kazuhiko Sato?
Kazuhiko Sato nasceu em 1947, em Fujisawa, no Japão. Estudou cerâmica na Universidade de Artes de Tóquio, onde também fez mestrado, sob a orientação de mestres como Fujimoto Nomichi e Tamura Koichi. Ainda jovem, foi premiado com o Salon de Printemps e participou de mais de 95 exposições no Japão, nos Estados Unidos, na Austrália e no Reino Unido.
Sua pesquisa gira em torno da cerâmica feita à mão, simples, funcional, cotidiana com um olhar profundo para o gesto e o tempo.
Entre seus livros, se destaca a série “Tebineri Tōgei Juku”, com volumes dedicados a:
Utensílios de uso diário
Peças para bebidas e saquê
Objetos para chá e flores
Cerâmica decorativa com função
Já encontrei alguns desses títulos em formato digital e, assim que possível, quero adquirir ou baixar para continuar estudando. É um conteúdo que inspira, ensina e amplia muito o olhar.
Depois veio “Silêncio e Gesto”
Mais tarde, inspirada pela cerimônia do chá japonesa (chanoyu), nasceu outra coleção.
Silêncio e Gesto – 静けさと所作 (Shizukesa to Shosa)
Duas peças que conversam entre si:
“Silêncio” é o preparo, o recolhimento.
“Gesto” é o movimento, a entrega, o toque visível.
Essa coleção carrega, talvez de forma mais clara, tudo que aprendi com o livro e com aquela técnica. Mas foi Entrelaces que abriu o caminho.
Pra mim, tudo começa assim
Com a mão que experimenta.
Com a peça pequena feita com carinho.
Com o livro certo no momento certo.
Com a professora certa.
E com o barro, sempre o barro.
Esse caminho não tem fim. E talvez seja justamente isso o mais bonito.